sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

o dia em que descobri que eu não era bom

[gary barlow] quando eu decidi participar deste blog, o maior motivo foi minha vontade de dividir esta história. falei dela há alguns dias e tenho ensaiado o texto desde então. vai ficar enorme e um pouco melodramático, mas é assim que ele deve ser. a quem tiver disposição de ler, faço duas promessas. tudo o que está escrito abaixo é verdade, e nada te fará sentir empatia ou compaixão.

já escrevi aqui sobre minha segunda traição, com a garota da faculdade. foi o início de um relacionamento doloroso e inesquecível. mas não contei que essa era apenas parte de uma história maior, que começou de um jeito parecido e mudou para sempre minha maneira de ver o mundo e os relacionamentos. para sempre e para a pior.

ela começa com um típico namoro colegial. depois de alguns beijos sem muito significado, acabei me tornando metade de um desses casais ingênuos e felizes. daqueles que percebem o ceticismo de todos ao redor, mas que nem por isso deixam de fazer planos para os 40 ou 50 anos seguintes, ou de trocar juramentos maravilhosos e quase impossíveis de cumprir.

"eu sempre, sempre vou te dizer a verdade."

falhei em todos os outros. mas esse, sem dúvida, foi o pior deles.

o dia em que descobri que eu não era bom foi uma segunda-feira, no começo de 2003. eu tinha entrado há pouco tempo na faculdade, que costuma ser a sentença de morte dos namoros do colégio. eu e ela estávamos brigando constantemente por algum desses motivos ridículos que levam adolescentes de 18 anos a se desentender, se é que eles precisam de motivos.

em meio a essas brigas, conheci a garota do interior. ela não fazia meu tipo em absolutamente nenhum sentido, o que não impediu que começássemos a conversar na sala de aula e a levar nossas conversas para o intervalo. até essa segunda-feira, em que estávamos sentados em uma das escadas do campus e ela perguntou se eu tinha namorada.

respondi que não e ela me roubou um beijo.

eu poderia até dizer que aquele beijo foi culpa dela, apesar de eu ter mentido que era solteiro. mas os beijos seguintes foram culpa minha. foi culpa minha quando liguei para minha namorada e disse que ia ficar na faculdade até mais tarde para estudar. quando levei a garota para o meu carro. quando me despedi dela falando que nos veríamos no dia seguinte.

à noite, quando encontrei minha namorada, achei que ela perceberia que havia algo de errado. ela não desconfiou de nada. do cumprimento à despedida, aquele foi mais um encontro normal daquele casalzinho apaixonado do colégio, que brigava por bobagens e depois voltava às boas. exceto pelo fato de que eu não era uma pessoa boa.

ao menos nos círculos que eu frequento, todos têm a convicção de que são pessoas boas, assim como seus pais, irmãos e amigos. um elogio comum a alguém de fora desse pequeno grupo é dizer que se trata de "uma pessoa boa". uma de nós. eu também pensava assim até aquele dia. foi aí que descobri que eu, um menino que beijava os pais antes de dormir, tirava notas altas e tinha um namoro supostamente perfeito, poderia ser um tremendo filho da puta.

e o que mais me surpreende, olhando para o passado, não é a minha falta de coragem para abrir o jogo com a minha namorada, ou a completa irracionalidade da minha conduta - afinal, eu havia traído na primeira oportunidade que tivera, com uma garota por quem eu tinha interesses no mínimo superficiais. o que mais me surpreende é que eu não tinha a menor intenção de parar.

passei algumas semanas com a garota do interior, até que ela começou a se apaixonar e eu tive de dizer que, sim, eu era comprometido. ela ficou justificadamente transtornada. chegou a pegar o número de telefone da minha namorada no meu celular e ligar para ela, mas não teve coragem de dizer nada.

inventei uma história. disse que a garota era louca e tinha pego meu celular emprestado. minha namorada acreditou. cortei o contato com a garota do interior e só voltei a vê-la há alguns meses. ela me confessou que ainda gostava de mim. eu disse que não merecia esse sentimento e que ela deveria procurar alguém melhor. ela insistiu; disse que eu estava me diminuindo. eu disse que sabia que eu estava certo. não a vi mais depois disso.

***

depois desse susto, eu e minha namorada voltamos à instabilidade tradicional. continuei a omitir tudo o que havia acontecido com a garota do interior. vivemos um ano de quase felicidade, até eu conhecer aquela outra garota.

na primeira vez em que beijei a garota da faculdade, eu e minha namorada estávamos brigados. de traidor, eu passei a ser amante. durante a semana, eu e ela levávamos uma vida de casal, a ponto de frequentarmos as casas um do outro e sairmos para almoçar com amigos. os fins de semana ela passava com o namorado, em outra cidade. ela dizia que iria terminar com ele, mas sempre voltava na segunda-feira com uma desculpa para não tê-lo feito. eu merecia.

já disse que a história terminou depois de três meses, com duas traições, quatro corações destruídos, um trancamento definitivo e uma prescrição de fluoxetina. mas não disse como terminou.

quando triângulo amoroso havia completado dois meses, minha namorada voltar a me procurar. marcamos um encontro. ela me abraçou e chorou, dizendo que sentia minha falta. eu já não sentia quase nada por ela, mas não tive coragem de dizer que não queria mais e estava com outra garota. me sentia em dívida com ela por tudo o que havia feito. nós reatamos sem que eu dissesse nada sobre a garota do interior, ou sobre a garota da faculdade. não tive coragem de cumprir minha promessa.

a garota da faculdade ficou abalada com a notícia. nunca mais foi a mesma comigo e parou de prometer que terminaria o namoro. ainda assim, mantivemos nosso relacionamento por mais um mês, sem que minha namorada ou o namorado dela soubessem de nada. continuamos nessa felicidade precária até as férias de julho, quando ela foi passar um mês na cidade dela e eu fiquei em são paulo com minha namorada. nenhum dos dois se sentiu à vontade para ligar. quando voltamos a nos ver, o interesse dela por mim havia morrido. ela começou a fazer outro curso e não nos vimos mais na faculdade.

eu, que já detestava as aulas, agora tinha um motivo a mais para não querer olhar para o prédio, as pessoas e as paredes. tudo me lembrava dela. passei a tirar notas baixas e faltar às aulas. tranquei minha matrícula na faculdade. conheci meu primeiro psiquiatra. o segundo. o terceiro. tomei os remédios mais populares para depressão: esses que os médicos se acostumaram a receitar sem perguntar qualquer coisa. não fizeram efeito porque meu problema era moral. mas eu não admitiria isso nunca - nem mesmo em uma consulta psiquiátrica.

minha namorada me via desabar, mas não podia saber o motivo. tive de inventar desculpas. disse que era por problemas familiares, por insatisfação com o curso, por razões químicas (como se eu soubesse algo do assunto). cheguei a dizer que a culpa era dela. continuamos nesse pesadelo por mais três anos, até que aquele grande amor adolescente se transformasse em nada. terminamos o namoro quando ela decidiu não atender mais aos meus telefonemas depois de uma de nossas brigas cotidianas.

pouco depois disso, encontrei a garota da faculdade por acaso num restaurante. estava sentado com dois amigos quando ela passou pela minha mesa, em direção à porta. num impulso, levantei e fui atrás dela. ela continuou andando, sem tirar os fones de ouvido. consegui alcançá-la e andei ao lado dela por três quarteirões. disse que precisávamos conversar e que eu ainda pensava nela todos os dias (era verdade). enquanto dizia isso, segurei a mão dela. ela disse que precisava ir embora e não queria ouvir nada. continuei segurando sua mão; ela se afastou e atravessou a rua. não fui atrás. voltei ao restaurante algumas vezes, mas nunca nos encontramos de novo.

***

a história merecia um epílogo amargo.

dois anos depois do fim do namoro, eu e minha ex-namorada nos encontramos na internet e ela me mandou uma mensagem. voltamos a conversar e reencontramos a sintonia dos primeiros anos. depois de duas semanas de conversas virtuais, ela me convidou para tomarmos um café. eu vivia os últimos meses de um relacionamento duro e passional, mas mesmo assim aceitei o convite.

nos encontramos em uma padaria de que gostávamos e conversamos por duas horas. ela me falou da vida, dos trabalhos, das viagens. e deu de presente uma medalha como esta, que ela tinha comprado no vaticano. disse que sabia que eu estava comprometido, mas que ainda gostava de mim e queria tentar de novo.

eu não estava disposto a tentar. em dois anos se aprende alguma coisa, e eu sabia que não conseguiria guardar todas as mentiras do passado e manter a nossa sanidade, ou a mais remota chance de sermos felizes. mas ao mesmo tempo não achava justo dispensá-la e deixar que ela pensasse que foi rejeitada por uma pessoa boa, digna do amor que ela sentia.

sem pensar muito, decidi cumprir a promessa feita sete anos antes. contei toda a verdade.

há um limite para as descrições, e este é o meu limite. mesmo se eu abusasse de metáforas e adjetivos, não saberia descrever a expressão de alguém que acaba de descobrir que foi enganado durante cinco anos. só posso dizer que eu vi esse rosto. é uma cena que me assombra de tempos em tempos, embora eu tenha aprendido a pensar no passado o mínimo possível.

segurei a mão dela assim que ela começou a chorar e contei a história até o final. pedi uma água. ela tomou e quis ir embora. caminhamos juntos, sem olhar um para o outro. em frente ao carro dela, perguntei se ela queria a medalha de volta. ela disse que tinha comprado pensando em mim e queria que ela ficasse comigo. está na minha carteira até hoje. é a prova de que minha história é verdadeira. de que ser uma pessoa boa não é uma condição nata, mas uma decisão tomada ao longo da vida.

quando nos olhamos pela última vez, ela ainda chorava muito. eu a abracei e disse a única palavra que cabia naquele momento. "desculpa." ela me abraçou mais forte, não respondeu e se despediu. acompanhei o carro dela com os olhos até o fim da rua, como fazia nos primeiros anos de namoro. eu não a veria mais depois disso.

ainda naquela tarde, por e-mail, ela me diria tudo o que eu merecia ouvir e ela não teve forças para dizer em nosso encontro. eu respondi com um novo pedido de desculpas. ela encerrou a conversa e pediu que eu nunca mais a procurasse.

"eu não quero que você me diga mais nada. a pior coisa em você é que você tenta parecer bom e consegue. você é um canalha que convence as pessoas. deveria escrever um livro ou uma peça de teatro. eu não vou acreditar em mais nada que vier de você."

nunca um elogio doeu tanto.

nunca mais traí ninguém.

7 comentários:

Autor disse...

Então, sei que é sua história, sua vida, mas, convenhamos, parece mais enredo do Nicholas Sparks, né?
A começar com essa noção de ser bom ou ser mau. Que coisa tola. As pessoas não são lineares, não seguem manuais de conduta e, DUVIDO, que exista alguém verdadeiramente bom nesse seu conceito de 'ser bom'. As pessoas são humanas, sujeitas a erros e acertos.
Por esse seu conceito e perto do que vc fez, eu já estaria morando no inferno - ou administrando-o -tem tempos.
Pra mim, de tudo que aconteceu, o pior que vc fez foi ter contado a verdade a ele no último encontro. Isso sim foi canalhice e infantil, pq vc sabia que isso a feriria e mesmo assim vc fez. Lembre-se de Cazuza que disse que 'mentiras sinceras me interessam'. Essa coisa de dizer a verdade a qualquer custo me lembra os personagens do filme Closer e, todo mundo que viu há de concordar, aquilo só serve para ferir.
Vc foi idiota, mas quem não é? Mas foi mais babaca ao abrir o jogo, magoando alguém q vc ainda gosta.
Agora, paremos de hipocrisia e de viver no maravilhoso mundo de Nicholas Sparks: vc não traiu mais ninguém pq não teve a oportunidade/vontade de fazer isso de novo. Depois, quando acontecer de novo, a gente conversa.
Ces't la vie!

Bjos e abraços e bom fim de semana,

Autor - o Descrente

Anônimo disse...

não pretendo fazer julgamento das suas atitudes, nem da sua pessoa (essa dicotomia bom/mau é estranha até em folhetim). mas acho que se vc pretende mudar, o ideal seria começar pensando na sua relação com o sentimento de culpa. ele parece te consumir. contar a ela toda a verdade quando a verdade já não faria diferença pareceu mais uma tentativa extrema de aplacar a culpa do que um ato de amor/respeito por ela. e essa necessidade de expor, ainda que de forma anônima, parece ainda essa busca por remissão. enfim, isso é o que parece para alguém que não o conhece.
lidar com a culpa é difícil, mas necessário, porque a gente vive errante e, muitas vezes, errado por aí. :)

Autor disse...

Terapiaemblog brigou comigo, disse que fui muito duro no meu comentário.
(nem acho)
Mas peço desculpas, pois vai que o gary se ofende, né?
hihihi
Essas ilusões de achar que somos íntimos de pessoas que nem conhecemos, apenas lemos pela internet.
Mas, Terapiaemblog pode confirmar: sempre sou gentil assim, rs

baru barlow disse...

autor: eu avisei que ia ser melodramático e não ia provocar empatia. mas é a minha história; o que vou fazer? concordo com você, foi estúpido abrir o jogo com ela. talvez eu tomasse outra atitude se passasse por isso de novo. espero não passar.

terapia: contar a verdade não aplacou a culpa nem um pouco. só piorou. expor a história também não ajuda; só o tempo mesmo. escrevi para me conhecer melhor, o que já é muito.

terapia e autor: bem, mal e culpa são herança da formação judaico-cristã. está aí outro passado difícil de superar.

gary barlow disse...

maldito corretor automático. baru nem é uma palavra.

tippi hedren disse...

não consegui ler tudo. muita coisa passando pela cabeça e eu querendo dar atenção à coisa toda. esses textos têm seus momentos. vou ler com calma. e comentar ponto a ponto. só não sei se aqui (morram de curiosidade, mwahahaha). acho que vou escrever sobre as traições que eu cometi. mas, ao contrário de vc, não acho que elas me definam como uma má pessoa.
(verificação de palavras: chenna (a princesa guerreira?) HAHAHAHAHAHAHA

gary barlow disse...

pode comentar aqui se quiser. :)