domingo, 6 de fevereiro de 2011

19:30

[gary barlow] no post anterior, aquele sobre a mensagem que insisto em não enviar, acabei me esquecendo de um detalhe.

pensando melhor, talvez detalhe não seja o termo ideal. na falta de outro, fiquemos com esse. mas devo tentar uma definição mais clara. há detalhes e detalhes. alguns são aspectos quase imperceptíveis da vida e só chamam nossa atenção quando decidimos reparar neles. e há detalhes que podem provocar acidentes aéreos, mudanças climáticas de proporções planetárias ou a infelicidade eterna.

o meu detalhe é do segundo tipo.

o detalhe é que eu esqueci de dizer que, embora tenha deixado de mandar essa mensagem algumas vezes, para amigas que teimo em não esquecer e cujos nomes poderia recitar agora, houve uma vez em que mandei a mensagem. ou quase isso.

era 2004. eu ainda acreditava que era uma boa ideia seguir na faculdade de letras, que eu começava a detestar. quanto mais detestava a faculdade, mais gostava da garota da carteira ao lado. era a garota da carteira ao lado porque invariavelmente, por iniciativa minha ou dela, acabávamos decidindo que ficar a poucos centímetros de distância um do outro era uma boa maneira de enfrentar o dia. ela também detestava a faculdade e demonstrava gostar da minha companhia.

mas vocês não estariam lendo esta história agora se ela tivesse final feliz. a garota da carteira ao lado namorava um rapaz de outra cidade. eu tinha um relacionamento difícil, daqueles em que a insatisfação é tão grande quanto o medo de terminar. o que não impedia que nos separássemos brevemente, para logo depois reatarmos com a promessa de que tudo seria diferente, mesmo que nenhum de nós dois acreditasse nas palavras que dizia ou ouvia.

um dia depois de uma dessas separações, a garota da carteira ao lado sentou-se comigo novamente. e eu decidi que precisava fazer algo.

nós havíamos criado o hábito de trocar bilhetes em um caderno. reminiscências do colegial. até o dia em que peguei o caderno e decidi escrever um pouco mais do que estava acostumado. era uma manhã de terça-feira, aula de Literatura Brasileira I. não lembro de uma palavra que foi dita pelo professor naquele dia. mas lembro de tudo o que escrevemos, ainda que tenha destruído o caderno tempos depois, junto com ingressos de cinema, bilhetes e fotos que eu não queria ver nunca mais.

"senti que você estava meio chateado na sexta, gary. aconteceu alguma coisa? quer conversar?"

"não sei se devia falar disso com você."

"por que não? você sabe pode contar comigo sempre. qual é o problema?"

"o problema é que eu queria te beijar agora. do mesmo jeito que quis te beijar ontem. ou no fim de semana, quando não nos vimos. ou na sexta-feira, quando você percebeu que eu estava chateado.

sei que você tem namorado e deve me ver só como amigo. entendo se você não quiser nada comigo, ou até se ficar irritada por eu te escrever essas coisas. mas não sei lidar com isso sozinho. não consigo mais esconder e acho que você merece saber disso. nós somos amigos, e eu seria um péssimo amigo se continuasse a conversar com você todos os dias e escondesse a verdade.

só não queria que isso afastasse a gente. temos uma amizade muito bonita e seria muito triste te ver todos os dias na faculdade e não poder estar perto de você, nem conversar como sempre conversamos. se você não sentir o mesmo que eu sinto, posso tentar aprender a ser só seu amigo."

"tá..."

"fala."

"me explica uma coisa. você só queria me dar um beijo, é isso?"

"eu tenho vontade de te beijar todos os dias."

"eu sinto o mesmo que você."

***

a história terminou depois de três meses. com duas traições, quatro corações destruídos, um trancamento definitivo, uma prescrição de fluoxetina e algumas das minhas recordações mais dolorosas e difíceis de esquecer. também houve momentos ótimos. mas nada que justificasse acidentes aéreos, mudanças climáticas de proporções planetárias ou a infelicidade eterna.

estragar a amizade é o de menos. tenho medo é de estragar a vida.

11 comentários:

M. disse...

Queridão, a vida já nasce estragada (e olha que eu nem coloco a culpa no NSJC. Aliás, culpa, puta palavrinha recorrente. Enfim).

A gente vive tentando não estragar. A gente morre tentando desestragar.

Uns dizem que a vida é linda (e colocam a culpa em você, se assim não lhe parece).

Outros entendem que é tudo tão difícil e complexo que o único remédio é vivê-la ao máximo (o resultado é tão superficial quanto o dogma anterior).

Ser cauteloso, você já percebeu, tampouco é uma prescrição recomendável.

A vida é um arremedo sem remendo.

Anônimo disse...

Nossa...poderia dizer um tanto de coisas, mas, primeiro, acho que não ajudaria muito, e segundo, não te conheço pra poder falar certas coisas.

boa semana. :)

gary barlow disse...

caríssimo: eu costumo concordar com essas pessoas que dizem que a vida e linda e a culpa é de quem não percebe isso. não preciso nem dizer que sou do grupo dos que não percebem. pelo menos na maior parte do tempo. again, sucks to be me.

caríssima: por favor, diga. a história é antiga e o tempo já me ajudou do jeito que deu. e o fato de você não me conhecer é um incentivo a falar, e não um impedimento. boa semana para você também. :)

Autor disse...

Histórias são únicas e viver uma não significa que as demais o serão.
Se o julgo pelo que aconteceu? Nem um pouco, já fiz coisa bem pior.
Corações partidos? Todos os dias, todas as horas, milhares de corações são partidos. É pra isso que existe super cola!
Relaxa e vai viver, rapaz! Estragar a vida é não vivê-la plenamente.
;-)

Paty disse...

Experiências anteriores não significam que uma nova tentativa seria necessariamente frustrada. E eu também não me sinto tão à vontade assim pra comentar sobre assuntos tão particulares.. Mas eu acredito que essas experiências servem essencialmente pra dar uma noção do que devemos ou não fazer... não a partir de uma regra que a sociedade nos impõe, mas a partir do que já vivemos antes e pode nos machucar ou fazer feliz... Então acho que você deve seguir o que o coração manda dessa vez... Porque às vezes a razão reserva cada uma.... :)

Anônimo disse...

Eu comecei fevereiro numa verborragia vinda não sei de onde, mas tentarei ser concisa e, por isso, talvez as palavras ganhem um tom determinístico, já peço desculpas antecipadas, a intenção não é soar como dona da verdade.
Então, feito o prólogo que deve ter dado medo, vamos ao verbo: não acredito em amizade entre homem e mulher quando há atração amorosa em campo, ainda que apenas por uma das partes. Então, se vc tem uma amiga e só pensa em beijá-la, acho que vale muito a exposição, porque essa amizade já está maculada mesmo, digamos assim. Vale alertar para o risco, e digo porque tenho experiência nessa seara e uma coisa é certa, se a outra parte não está encantada também, a amizade SEMPRE acaba com a exposição. Pq ainda que ambos finjam que nada mudou, o equilíbrio que havia se desfaz e aí adeus. Entenda também que era um equilíbrio falso, porque as pessoas sempre sabem, ou intuem, mas se não há reciprocidade, fica mais fácil fingir que não há nada. A exposição não permite o equilíbrio que vem com o jogo do finjo que não vejo porque não posso retribuir. Depois, vc conta que essa forma de agir/reagir/sentir é meio que seu modus operandi. E eu entendo tanto essa coisa de ter um jeito de encarar/uma forma de sentir a vida, as situações, as pessoas e o relacionamento com elas de uma forma que não nos favorece muito...mas, se vc se conhece tão bem qto parece pelas análises que faz das próprias atitudes, das duas uma...ou tenta mudar suas atitudes (não creio muito nessa coisa de que a gente muda. A gente não muda, a gente se adapta), ou se resigna...numa vibe meio Gabriela, sabe? Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim...(eu ando numa vibe dessas...e, vai dizer que não ama Jorge Amado? rs. Não é o melhor caminho, é apenas o mais fácil. O preço é alto e pode ser tipo bola de neve. Qualquer desses caminhos trazem pelo menos um consolo: uma certa tranquilidade que vem da consciência de que somos senhores da nossas emoções...assim, só um pouquinho, ne? Porque basta um olhar da pessoa certa pra essa fortaleza toda ruir, mas às vezes é bom também.

Então...era mais ou menos isso, e, bom...eu sei que não ajudam palavras a esmo, inda mais de desconhecidos da net. Mas é que seus textos são fofinhos. E adoro (adoro pq só menina que sofre, então é legal ver homem se descabelando um tantinho tbm) e ao mesmo tempo tenho dó de ver menino sofrendo. :)

gary barlow disse...

paty: até agora, tanto a razão quanto o coração só me colocaram em ciladas. como não dá para desistir dos dois, acho que revezar pode ser uma saída. agora é a vez do coração, i guess. :)

terapiaemblog: obrigado pelo comentário. nem sei quantas noites já perdi pensando nesse bilhete e nos meses que seguiram. talvez até escreva sobre eles um dia desses, se tiver coragem. mas é sempre bom ter uma visão de fora. preciso mudar meu modus operandi. fato. estou tentando.

e eu já sabia faz tempo que vocês meninas adoram ver um menino sofrendo. :)

tippi hedren disse...

eu só acho que todas essas histórias de amor e de dor constroem a gente por dentro. não abro mão de vivê-las. nem de contá-las. tampouco de lê-las.

gary barlow disse...

só se aprende apanhando.

M. disse...

ou não. tem gente que gosta é de apanhar mesmo. não tá nem aí pra aprender.

gary barlow disse...

pior é quem só apanha, não aprende e não gosta. falo por experiência.