segunda-feira, 3 de maio de 2010

21:57

acho que foi o sonho mais esquisito da minha história recente. acordei achando que era real, de tão plausível. mas é sempre assim com certos sonhos, não? agora, examinando à luz da razão, vejo que era meio descabido.

estava em busca de um novo analista e decidi me tratar com a irmã da maria rita kehl, de quem já falei aqui (droga, não posso linkar meu blog antigo). mas digo que ela é ótima. além de ser psicanalista e de ter escrito um livro que adorei, entre tantos outros livros e ensaios e palestras, ela teve a decência de olhar para o rap dos racionais sem preconceito e analisar o movimento proposto por mano brown e demais e pela própria periferia.

pois bem. decidi me tratar com a irmã da maria rita kehl, a juliana kehl. no meu sonho, ela era uma senhora de uns 70 anos de imensos olhos azuis e cabelos loiros. na vida real, a juliana tem pouco mais de 30 anos e é cantora ligeiramente conhecida da cena indie paulistana.

no meu sonho, o consultório dela ficava em um prédio com cara de repartição pública, desses baixos, completamente antigos, dos rodapés ao elevador. quando cheguei, descobri que em frente ao elevador que eu precisava usar, ficava um necrotério. mas não era um necrotério oficial, com placa e tudo. era mais um lugar onde ficavam cadáveres, todos eles classificados como produtos de "morte violenta" ao que parecia. estavam lá para estudo, talvez.

achei de um tremendo mau gosto colocar aquele lugar tenebroso ali, naquele prédio, e deixar a porta aberta. e o pior: havia um trânsito frenético de corpos. o primeiro que vi estava coberto por um lençol. os seguintes estavam completamente à mostra.

como me perdi, precisei voltar à cena dantesca uma segunda vez. e o que vi foi o tronco de um homem que morrera afogado. estava totalmente inchado. o segundo, também um homem, tinha um imenso buraco que compreendia o espaço entre o nariz e a boca. estava afundado. parecia que não tinha sido feito por uma arma. era como se ele tivesse aspirado com muita força o próprio rosto. o terceiro corpo eu achei que era de mulher, mas não tive como me certificar. estava coberto por um plástico transparente e tudo que se via era sangue. alguém comentou algo comigo a respeito ou eu entendi alguma coisa sobre esses corpos, especialmente o ensaguentado, mas não consigo me lembrar.

assustada com essas visões, cheguei ao consultório. era como uma sala de aula do pré-primário. mesas pequenas, talvez coloridas, muita gente. foi só aí que descobri que se tratava de terapia de grupo. fiquei incomodada, porque não queria ter que falar das minhas questões para muita gente ou ter que dividir o tempo do analista, o meu tempo, com outras pessoas.

aí que a juliana kehl ficava mesmo como uma professora, passando de mesa em mesa com questões professorais. ela ouvia um pouco do que dizíamos e soltava uma pergunta meio clichê, que eu sentia que era um clichê, uma vez que ela precisava dar atenção a toda aquela gente. eram boas perguntas, mas eu precisava de mais atenção, eu não queria ouvir conselho de gente tão perdida quanto eu. acho que foi assim, com essa angústia, que o sonho acabou.

agora a parte real de tudo isso.

tenho me interessado cada vez mais pela psicanálise. antes eu apenas gostava, mas não lia a respeito. há algum tempo, um ano talvez, tenho lido não só livros que me emprestam como tenho buscado comprar. ontem, estava com um amigo na livraria e mostrei a ele um livro da maria rita kehl do qual gosto muito, o tempo e o cão. ele, que é um enamorado das cantoras da cena indie mundial, me disse que a juliana kehl, que ele andava ouvindo, é irmã da maria rita. mas claro. sobrenome mais incomum. eu deveria ter desconfiado. ficamos de talvez vê-la em seu show na próxima virada cultural.

antes de dormir, li boas páginas do livro recém-comprado, que tem um título cafona, mas tem sido ótimo até aqui. chama-se o carrasco do amor e traz a história de alguns pacientes e da interação do analista com eles. o primeiro capítulo é sobre uma paciente de 70 anos, a mesma idade da "minha" juliana kehl no sonho. no livro, o autor fala sobre a terapia de grupo, o que acho que explica o fato de ser esse o modelo de terapia do sonho. o autor diz, no livro, que essa modalidade de terapia é boa porque, no grupo, repetimos comportamentos que temos fora dele, e isso pode ser tremendamente útil no processo de identificação dos problemas e na terapia em si. me convenceu.

há também uma boa passagem sobre como tememos a morte. acho que isso tem a ver com os corpos do sonho. a violência ali talvez seja explicada pela violência da própria morte. lembro de, no sonho, ter ouvido a terapeuta falar sobre isso. que era preciso encarar a morte, mas não me lembro direito. fiquei pensando, no próprio sonho, se o fato de ela estar tão perto daquela espécie de necrotério não era uma estratégia terapêutica macabra. terapia de choque. isso se a morte fosse a questão central naqueles grupos. não sei se era. nem me lembro de qual era a minha questão.

só sei que tenho sentido muita falta das minhas sessões de análise. precisei diminuir a frequência após sair de casa e começar a pagar aluguel, de modo que há questões fervilhando dentro de mim que eu não tenho como compartilhar.

escrevi ao som de juliana kehl. gostei. mas maria rita feelings. devo ir ao show ainda assim.

6 comentários:

M. disse...

vamaê. (minha memória ou meus sonhos: um ou mais deles farão com que eu jamais faça descrições oníricas como as suas. escrevo fragmentado pra cada um montar seu próprio sentido)

M. disse...

aliás, piada pronta, né. maria rita kehl feelings?

tippi hedren disse...

hahahahaha. muito bom!

LiC disse...

Oi!
Caramba! Fiquei sem entrar na net desde sexta à noite pq mta coisa acontecia e eu consegui parar agora para ler os blogs e, pelo q vi vc teve dias movimentados...
Sobre sonhar com corpos... Por um acaso vc cobre a área de polícia neste exato momento??? E começou com isso agora???
Aconteceu isso comigo. Qdo eu comecei a cobrir essa área, era com o q mais sonhava. Horrível!!! Eu via coisas q as vezes me deixava mto mal até começar aprender a lidar como se fossem objetos de algum filme grotesco e depois voltar a dormir em paz.

tippi hedren disse...

m., eu quase nunca lembro de tantos detalhes. mas esse eu fiquei preservando ao longo do dia. e até agora não esqueci algumas partes.

defina dias movimentados, lic. se for no plano das ideias, acho que foram, sim rs. não tô cobrindo polícia agora, não, o que é uma pena, pois eu gosto.

Juliana Kehl disse...

Oi! Eu sou a Juliana Kehl. Achei seu blog por acaso...esse sonho foi tão interessante que resolvi registrar minha passagem por aqui.
O Tempo e o Cão é realmente um grande livro!

Um beijo

julianakehl@gmail.com